Paulo Pimentel: Um brasileiro na cobertura da queda do muro de Berlim.
Poucas pessoas tem o privilégio de testemunhar acontecimentos históricos quando eles estão em curso. O século XX foi marcado por grandes mudanças que transformaram e definiram aspectos do mundo atual. Paulo Pimentel, repórter cinematográfico da Rede Globo em Londres é um dos exemplos que além de presenciar vários momentos históricos, também colaborou para que os brasileiros acompanhassem o que se passava no mundo além de nossas fronteiras.

Filho de Sebastião Moreira Pimentel e Maria Aparecida Pinho Pedrosa, o carioca Paulo Roberto Moreira Pimentel nasceu em agosto de 1952. O primeiro passo na carreira foi concluir o curso de Comunicação na UNISUAM em 1977. Ainda no mesmo ano, Paulo iniciou o curso de repórter cinematográfico da Rede Globo que o levou a ocupar seu primeiro posto de trabalho na emissora: o de assistente de cinegrafista.
‘Foi onde aprendi os primeiros passos da profissão’, diz Paulo. ‘Composição da imagem, iluminação, o uso das câmeras de filme 16mm. Nesta época o jornalismo era feito com câmeras de filme. Câmeras de vídeo eram usadas apenas para produção de novelas e programas de auditório’. Após dois anos atuando como assistente, começou a filmar pequenas reportagens e fazia plantões nos fins de semana. ‘No terceiro ano eu já estava preparado para fazer reportagens mais elaboradas para programas de horário nobre”, completa.
Em 1980, já com treinamento para operar câmeras eletrônicas de vídeo, veio a cobertura que, segundo ele, marcou a sua carreira: a visita do Papa João Paulo II ao Brasil.
“O meu batismo de fogo foi acompanhar o papa pelo Brasil. O momento de maior responsabilidade foi ser o único cameraman a registrar a visita do Papa ao encontro das águas do Rio Solimões com o Rio Negro, que dá origem ao Rio Amazonas, de um barco da marinha brasileira. As imagens foram distribuídas para um pool de imagens de várias televisões do mundo. Por ser a minha primeira grande cobertura no Brasil, eu tenho um carinho muito especial por este momento da minha carreira. Foi tão especial que, a partir daí, surgiu a oportunidade de ser convidado para um posto super importante no exterior.”

Em 1981, Londres se torna a nova casa de Paulo. Por um período de dois anos ele seria o novo Repórter Cinematográfico da Rede Globo na Europa. Já estava trabalhando no novo posto quando veio o novo encontro com João Paulo II: no Hospital Agostino Gemelli, em Roma, na primeira aparição pública do papa após ter sofrido um atentado na Praça São Pedro.
“No dia 14 de agosto, viajamos a Roma para uma reportagem sobre o estado de saúde do papa e fomos ao hospital onde ele estava internado só para colher informações.”
O que ele e o repórter não esperavam era que iriam registrar o momento em que o papa apareceria na janela e faria um discurso aos peregrinos que faziam vigília do lado de fora do hospital.
Das coberturas que seguiu fazendo, há outra que ele lembra de forma especial. Em Outubro de 1981, Paulo e o repórter Luís Fernando Silva Pinto foram ao Egito para cobrir o assassinato do presidente Anwar Sadat. Após o término da primeira cobertura, a dupla ainda viajou do Cairo até Israel ao longo das margens do Rio Nilo, mostrando os locais onde aconteceram conflitos entre os dois países.
‘Atravessamos a península do Sinai. Passamos por Gaza, chegando até Jerusalém, onde encerramos a nossa viagem no Muro das Lamentações.’

Em 1981, a União Soviética ainda existia e tinha grande influência. Eles mantinham o controle das regiões que estavam sob seu governo, o que tornava o trânsito e o trabalho de profissionais como os da imprensa em um coisa muito difícil.
“Durante a existência da União Soviética, viajar para qualquer país ocupado (Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e outros) era muito difícil. O serviço de informação controlava os movimentos do cidadão. Os visitantes sempre eram considerados espiões. Eram como vírus que contaminaria as mentes das pessoas. Uma equipe de TV que visitava era vigiada desde o aeroporto. Quando saíamos para gravar, sempre havia um guia autorizado pelo serviço de informação, mas também éramos seguidos por outro carro que se mantinha à distância.”
Paulo conta que a atmosfera era sempre tensa. Hóspedes dos hotéis em que esteve falavam baixo para não atrair a atenção e os cidadãos andavam de cabeça baixa pelas ruas, com medo de caírem no radar da repressão. Isso o marcou nas viagens que fez aos países nessa época. Ele diz ter conhecido muita gente boa, que tinha muitas ideias boas, mas que não podiam explorar seu próprio potencial criativo.
Sobre as dificuldades de fazer seu trabalho em situações onde a vigilância era constante, como no lado oriental de Berlim e outros lugares do território da Alemanha Oriental, ele tomava alguns cuidados:
‘Toda vez que saía para gravar, eu sempre levava uma fita de gravação a mais, pois quando menos esperávamos, aparecia um cara mostrando a carteira de policial e sempre confiscava as nossas fitas gravadas. Para sobreviver ao assédio iminente, eu levava a ‘fita do fiscal’. Eu escondia a fita gravada na cueca. Eu entregava a fita virgem para o policial que saía da abordagem muito feliz, achando que havia confiscado imagens proibidas…’
Sobre o ‘outro lado’ do Muro, na capital Berlim, Paulo diz que era totalmente o oposto da Alemanha Oriental. Que pairava uma ‘tristeza’ no território Oriental e que a outra capital era muito diferente.
‘Cidade festiva, com gente de todos os cantos do mundo, Culturas diferentes que trocavam conhecimentos e momentos sem medo de ser feliz. Ali viviam famílias de alemães que foram separadas pelo muro de concreto, cercas de arame farpado, trincheiras, torres de observação […] Quem foi visitar um parente num bairro de Berlim no dia 13 de Agosto de 1961, teve que esperar 28 anos para voltar para casa…’
O repórter Sílio Boccanera, correspondente da Rede Globo na época da queda do muro escreveu no seu texto para a reportagem exibida no Jornal Nacional que ‘poucas vezes é possível testemunhar um acontecimento, e ter certeza que a história com H maiúsculo está sendo escrita diante de seus próprios olhos’ e que aquele, era ‘certamente, um desses momentos’. Assim também foi para Paulo. Testemunhar um acontecimento desta magnitude foi possível para ele.
Enviado ao lado de Boccanera, que era veterano de coberturas internacionais, Paulo seguiu no dia seguinte a abertura das fronteiras para cobrir a festa dos alemães, agora reunidos, no portão de Brandemburgo.
Mais uma vez, ele tinha a responsabilidade de traduzir mais um acontecimento histórico através das suas imagens que seriam exibidas aos brasileiros que puderam ver a celebração e alegria daqueles, numa época que só seria possível acompanhar pela televisão, rádios e jornais impressos, sem a instantaneidade da internet.
‘Não havia internet. Sabíamos das últimas notícias pelo rádio, televisão e agências de notícias. Ao chegar no escritório, de manhã, as agências de notícias despejavam artigos sobre a queda do muro”, conta lembrando o engano do porta-voz do governo Oriental. “Ele se confundiu com as datas nos documentos que trazia em sua pasta e disse ‘é amanhã’. Isso gerou uma repercussão imediata nos cidadãos da Alemanha Oriental, que lotaram as fronteiras na madrugada de 8 para 9 de Novembro de 1989. A polícia foi pega de surpresa pela massa humana exigindo liberdade e eles tiveram que abrir as cancelas e fronteiras após 28 anos.’
Ele e Sílio arrumaram as malas e embarcaram num avião que chegaria em Berlim-Tegel no meio da tarde. ‘Mesmo com quatro horas de fuso na frente do Brasil, nós corríamos contra o relógio’, completa. Paulo conta que os alemães, a quem chama de ‘muito organizados’, tinham montado um tablado uns 30 metros de distância do Portão de Brandemburgo.
‘A imagem principal da nossa reportagem se concentraria ali. A multidão já ocupava a parte mais larga do muro e recebia jatos de água dos soldados da Alemanha Oriental, que frustrados, tentavam expulsar o povo feliz de lá. Acabaram desistindo, pois as pessoas não se importavam com o último jato de repressão que secou sem sucesso.’
Ele e Boccanera, começaram logo a conversar sobre onde seria a locação para o encerramento da reportagem: “Eu apontei para o muro e falei para o Sílio: ‘lá em cima do muro!’ Ele conta que o repórter perguntou surpreso: ‘Mas como eu vou conseguir subir num muro tão alto?’ Ele respondeu: ‘É só estender a mão que alguém te puxa lá pra cima…’


Paulo diz que essa foi a parte fácil. ‘O Sílio já estava em cima do muro, mas o problema para ele era fazer o microfone funcionar no meio de tanto barulho gerado pela festa alemã.’ Outro problema foram as frequências de rádio de ondas curtas da polícia secreta da Alemanha Oriental, que se misturavam a onda do transmissor da câmera.
‘Não tínhamos Walkie Talkie para nos comunicar, pois o ruído das músicas e gritos de alegria eram ensurdecedores. Comecei a fazer gestos para o Sílio de onde eu filmava. Gravamos pelo menos umas quinze vezes até conseguirmos o som limpo sem interferências. Já estávamos gravando com pouca luz do sol pois a noite em Novembro no norte da Europa, chega mais cedo. A sorte estava ao nosso lado, pois ainda deu tempo de descer e gravar imagens da festa que ia varar a noite por vários dias.’
Ele se sentiu aliviado por conseguir concluir o trabalho e feliz por testemunhar de perto a queda do Muro de Berlim após 28 anos: ‘Quando eu estava fazendo aquela imagem…para mim, eu estava fazendo parte daquela festa. Eu estava celebrando a queda de um monumento que nem deveria ter existido’, disse Paulo a equipe do Jornal Nacional, no especial dos 30 anos da queda do muro, em 2019.

‘Depois de mais de 40 anos viajando por este mundo afora, registrando os acontecimentos mais diversos através das minhas lentes com o meu país, me sinto um privilegiado’, diz Paulo.