O ‘arquiteto de Deus’: Frei Martinho Janswed (OFM)

Fabrínia Almeida
7 min readMay 14, 2022

Primeiro sacerdote católico de que se tem registro a passar por Esperança, o frade de origem alemã ajudou a fortalecer a fé católica por onde passou e foi responsável por erguer igrejas em cinco cidades paraibanas.

[…] E naquela noite ia eu ver pela primeira vez um frade em carne e osso, um daqueles brabos servidores de Deus.

Um púlpito armado no meio do templo esperava o pregador. E ele chegou, alto, louro, com um hábito escuro, de alpercatas nos pés. Ajoelhou-se, e a igreja ajoelhou-se com ele. Fez o pelo-sinal com os braços longos e a voz compassada. Começou a falar. Falava manso, uma palavra doce, sem gritos e sem gestos. Ouvi o dr. Bidu dizendo para o seu Maciel:

— É mais um conferencista do que um pregador.

Fosse o que fosse, o certo é que o que ele dizia eu tomava para mim. Há os que falam assim, que a gente tem fome e sede do que eles dizem.’

Personagem dos livros

É assim que o escritor paraibano José Lins do Rego, descreve o Frei Martinho Janswed em seu livro ‘Doidinho’, publicado em 1933. No livro, que é referido como uma continuação de ‘Menino de Engenho’ (1932),o jovem Carlos de Melo narra episódios de sua vida como estudante de um internato com um sistema educacional ‘severo’.

No sétimo capítulo do livro, a relação do personagem com Deus e a religião aparecem. Apesar de momentos de crença ‘que morriam logo’, como descreve o personagem do livro, é com o Frei Martinho que o jovem Carlos muda a opinião que tinha dos religiosos da época: severidade, personalidade disciplinada e por vezes com os ‘excessos’ que assustavam os fiéis.

‘Ele se voltava para os setenta meninos do colégio: Uma vez Jesus ia por um caminho, e um bando de meninos alegres procurou o Mestre para falar com ele. Os apóstolos botaram para trás as crianças, com palavras ásperas. E Jesus lhes disse: “Deixai os meninos, deixai que eles venham a mim, porque deles é o reino dos céus.” E depois deitou a mão pelas cabeças dos inocentes, e se foi dali. O frade botava os olhos azuis para nós todos, e só falava para o colégio.’

Segundo o Frei Milton Coelho (OFM), autor do livro ‘Frei Casimiro Brochtup, O Apóstolo dos Mocambos- da memória à profecia’, obra que dedica um capítulo sobre a presença de Frei Martinho nas obras do escritor paraibano, o religioso aparece como a imagem ideal de como os missionários deveriam ser: mansos e cheios de compaixão.

Origens

O Frei Martinho nasceu em Colônia, na Alemanha. Alguns registros mostram que a data de nascimento do religioso é 5 de dezembro. No ano, há uma divergência: alguns mencionam 1876 e outros autores mencionam 1877. Seu ingresso na Ordem dos Frades Menores, aconteceu em 13 de maio de 1894.

Começou no caminho religioso quando ainda era muito jovem. Manifestou o desejo de servir como missionário, e como era entusiasmado com a catequese foi transferido para o Brasil com apenas dois meses de noviciado. Ordenado sacerdote em 22 de dezembro 1900, o jovem Janswed chegou na Paraíba em 1911.

Reprodução/Google

Já no Brasil, estudou filosofia e teologia no Convento de Salvador, na Bahia. Após concluir os estudos, dedicou-se ao Colégio Seráfico Santo Antônio, em João Pessoa. Seguiu a ‘linha’ de vários missionários franciscanos que ajudaram a estabelecer o sistema educacional católico no Brasil . A presença dos franciscanos nas terras paraibanas data de 1657.

Após se dedicar ao colégio, começou a percorrer as cidades paraibanas em missão. Percorreu quilômetros, montado a cavalo e várias vezes seguiu sua jornada a pé. O religioso foi ficando conhecido na região. Os fiéis sempre o descreviam pelos seus traços físicos e pela sua nacionalidade: ‘É alto e louro! De olhos azuis! É o padre alemão!’

Visita de Frei Martinho ao distrito de Barra de Santa Rosa (o Frei é o segundo à direita). Acervo pessoal de Rosa Correia/Nando Vaqueiro. Livro: Trilhando Sobre os Percursos Históricos da ‘Florescente’ Barra de Santa Rosa, de Marcos Antônio Barros.

Seguindo a mesma linha apostólica social de outro grande missionário nordestino: o Padre Ibiapina. Frei Martinho percorreu o Nordeste em busca de evangelizar e ajudar as pessoas. É atribuída a ele a criação da alcunha ‘O Apóstolo da Paraíba’, dada a Ibiapina, quando destacou o exemplo do trabalho do Padre e de suas realizações pelo povo paraibano.

O trabalho de evangelização do Frei plantou as sementes da fundação de 17 fraternidades franciscanas nos estados da Paraíba e do Ceará.

O Arquiteto de Deus: o interesse ‘incomum’

De personalidade conciliadora, evitava se envolver em conflitos. Mas, tinha uma inclinação um tanto incomum para um sacerdote católico da época: o interesse por arquitetura.

Em Itaporanga, o Frei é responsável pela planta da Igreja da cidade. Mas, saiu da cidade antes que a obra fosse concluída. No período que vai de 1911 a 1930, Frei Martinho projetou outras quatro igrejas em cidades paraibanas, quatro delas dedicadas à Nossa Senhora da Conceição.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário (João Pessoa)

Reprodução/Google

Nossa Senhora da Conceição (São Mamede)

Pascom São Mamede/reprodução
Geraldo MM Maia/Flickr

Nossa Senhora da Conceição (Taperoá)

Taperoa.com

Nossa Senhora da Conceição (Barra de Santa Rosa)

Paraíba Criativa

No caso da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, há 15 vitrais projetados pelo artista alemão Henrich Moser, uma provável encomenda do Frei. 14 mostram os mistérios do Rosário e o último mostra a Coroação de Nossa Senhora.

Em Esperança

Esperança de Ouro

Esperança ainda não tinha sido emancipada, quando do primeiro registro da visita do Frei a cidade, localizada no Agreste paraibano. O registro encontrado, fala da passagem do religioso pelo povoado entre os anos de 1916 e 1917, provavelmente em uma de suas missões pelas regiões interioranas do Estado. Dos missionários estrangeiros que passaram por terras esperancenses, Frei Martinho Janswed é o primeiro de que se tem registro.

A relíquia, as previsões do Frei e a cidade que leva seu nome

As ‘profecias’

Na obra atribuída ao Frei Stanislau Cleven, conta-se passagens sobre as missões de Frei Martinho. Na edição de Setembro de 2008 do jornal ‘A União’, o texto de Hilton Gouveia, intitulado ‘O Legado de Frei Martinho’ conta algumas dessas passagens.

Nas jornadas que fez a pé, o frei parou em uma fazenda e pediu que lhe fosse emprestado um cavalo, para que continuasse sua viagem. O dono do animal negou o pedido, e foi ríspido com o frade, que profetizou: ‘ninguém mais montaria o cavalo’. Relatos contam que na tarde do mesmo dia o cavalo morreu.

Já numa missão voltada para a realização de crismas, um popular disse que mandaria um burro, para que o Frade o crismasse. O homem que disse a ‘brincadeira’, segundo os relatos dos populares da época, teria morrido logo após terminar de dizer a frase.

Nem o cangaceiro Lampião teria escapado das ‘profecias’ de Frei Martinho. Advertido pelo religioso que não colocasse os pés no povoado onde ele estava cumprindo mais uma de suas missões, Lampião teria ignorado o aviso e insistiu em invadir o povoado. Acabou sendo preso pela volante policial e cumpriu 15 anos de prisão.

A relíquia

Em Itaporanga, está a única relíquia do Frei: a camiseta de celebração usada por ele. Exibida pela primeira vez em 2013, a peça do vestuário de Frei Martinho foi guardada com cuidado pela família de Anatália Martins, que tomou conta da camisa desde a morte dele.

A cidade que leva o seu nome

O município de Frei Martinho, localizado no Curimataú paraibano, faz homenagem ao religioso. Fundada em 1924, pelo fazendeiro Janúcio Pereira, a cidade começou com a instalação da Fazenda Caboré e se ampliou depois da implantação de uma feira, que atraiu moradores das regiões próximas.

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Segundo a história contada no município, a cidade leva o nome do religioso por causa de um forasteiro, que foi perseguido no Rio Grande do Norte e encontrou abrigo na região. O forasteiro teve um sonho, onde uma voz dizia que o nome do povoado deveria ser mudado para o nome do Frade alemão.

As autoridades da época, o padre do povoado e os habitantes do município decidiram concordar e mudar o nome da cidade para Frei Martinho.

Morte e a ‘fama’ de santo

Já cansado e após ser acometido por uma forte gripe, na Páscoa de 1930, Frei Martinho decidiu que era hora de parar. Encerrou as suas jornadas de missão e resolveu voltar para João Pessoa. No dia 26 de julho, recebeu a benção e se despediu do então arcebispo, Dom Adauto de Miranda Henriques. No dia 28, faleceu.

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Seu túmulo foi sepultado na Igreja do Rosário, a que ajudou a construir. Todos os anos, a Cripta da Igreja é visitada por fiéis, que vão em busca de pedir-lhe ajuda, o que conferiu ao Frade a ‘fama’ de santo. Muitos também já visitam o túmulo do religioso, alegando que os pedidos de intercessão feitos a ele foram atendidos.

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Fabrínia Almeida

Tenta escrever sobre gente e as coisas, só que sem sucesso.