El que quiere, puede.
As marcas do sotaque de quem fala espanhol ‘vão sumindo’ aos
poucos. ‘Não queria isso’, diz ele. Brinco ao dizer que quando voltar a sua terra natal, Havana, as pessoas dirão que: ‘agora ele fala brasileiro’.
São 00:15, e o Chef cubano Olaff Alejandro responde pacientemente as minhas infindáveis perguntas sobre cozinhar, que, diz ele é ‘diversão e trabalho ao mesmo tempo’. Pergunto se o trabalho terminou por aquele dia. E a resposta é: ‘Não. Ainda não’.
Chegado em 2015 no Brasil, numa viagem que era para ser de férias, Olaff acabou ficando e fazendo do nosso país, a casa dele também. Acordar cedo, dois empregos formais e várias outras coisas ainda por fazer, em todos os dias, essa é a rotina de sempre. Antes do trabalho: academia! ‘Para doer menos durante o dia’, diz ele. Como Chef de cozinha, ele passa a maior parte do tempo de pé. Mas Olaff não reclama, diz que gosta do que faz.
Entre uma frase e outra, uma palavra em espanhol aparece. Eu sou péssima com o idioma e sempre leio a palavra com um sotaque estranho que não consigo reproduzir quando falo. Explico para ele que só tenho uma performance mediana com idiomas que as pessoas acham ‘feios’. E que o idioma ‘mais bonito’ que eu aprendi ate agora é o italiano! (Justamente para fugir do meu problema com espanhol e francês.)
Quando o Fernando, amigo que temos em comum, me disse ‘O Olaff é de Cuba. De Havana.’ Veio aquela visão da capital neoclássica que todo mundo tem: prédios antigos, cheios de cor e carros dos anos 50. Não dava para ser uma referência como a música da Camila Cabello pois eu sou velha demais para mentir dizendo que seria esta a primeira referência que me veio na mente. A minha é a visão ‘Lonely Planet’ da coisa: os prédios coloridos e um monte de coisas que SABEMOS que não é só aquilo.
Um dos motivos que trouxeram ele ao Brasil, foi o trabalho da mãe. Médica, chegou aqui pelo programa mais médicos. Profissionais de Cuba vieram para suprir o déficit de profissionais de saúde em algumas áreas do país. Um trabalho que eu admiro muito. Na verdade, eu sempre admirei quem sai de sua terra natal para se aventurar em um novo lugar. Veio visitar a mãe nas férias e acabou ficando.
Assim como fizeram o Fernando que é do estado vizinho ao meu, o Olaff, e a sua mãe, que vieram de um lugar ainda mais distante e continuam contribuindo. Cada um a seu modo. O que convenceu ele a ficar no Brasil? Não consegui descobrir tudo. Mas sei que tem um sonho, dos grandes, no meio dessa história. Quem não tem um sonho, alguma vontade, fica difícil mudar o rumo da vida. Ao que me parece, ele vem fazendo. Contou que tinha perdido o foco, direcionando a atenção para pessoas e coisas, e depois viu que não faziam muito sentido. Espera retomar o rumo das coisas e vem se esforçando para isso.
É mais comum do que se imagina, Olaff. A diferença mora no que a gente aprende com essas distrações. Para ele, tudo parece estar por fazer. Mas as coisas levam algum tempo. Como eu tentei dizer, num espanhol que faria boa parte da América Latina chorar de desgosto: ‘el que quiere, puede’. Ele parece querer. Tanto sonhar, quanto sair do plano do sonho para a realidade. Sonhar todo mundo sonha. Mas só sonhar não é suficiente na grande maioria
das vezes. Sonha e pronto? Se é passível de realização, uma hora dá ou a gente chega perto. Tem que tentar com medo mesmo!
Um amigo dizia hoje que sou ‘globalizada’. Eu diria ao poeta que é um dos ‘males saudáveis’ de passar uns cinco anos em jornalismo: é ter um tipo de curiosidade ‘positiva’, querer pesquisar, ouvir e ver a vida das pessoas em todos os lugares possíveis.
A vida do Olaff é diferente da do meu colega Azeri, Sahin, que recentemente deixou o país de origem para ir estudar na Polônia, que é diferente da vida do alemão Maik, que trabalha de madrugada imprimindo os livros e manuais tão necessários na vida das pessoas, da do Fernando que saiu da nossa região para ir se descobrir e levar o bom humor que só ele consegue ter para os ‘icebergs’ paulistas, e da minha que ainda estou por decidir o que farei.
Ao mesmo tempo, a vida dele é igual a minha e a dos exemplos anteriores: cada um de seu lugar no mundo, correndo atrás e fazendo o que dá. Só tenho que reconhecer o mérito dos exemplos dos meus amigos: eles fazem isso
com mais leveza do que eu consigo! Em minha defesa, alego uma coisa
importante: equilíbrio. Para os bem-humorados, sempre tem que ter aquelas pessoas que são burocráticas (em um nível aceitável).
O que Olaff ensina? Qualquer pessoa, em qualquer lugar, vai buscar aquilo que provavelmente pode ser seu. Há um provérbio perfeito do Imã Ali que pode se aplicar ao caso: ‘O que for seu, virá no tempo certo.’ Em casa, ou longe dela, com um pouco de paciência, trabalho e vontade, uma hora chega. É olhar para as coisas e pensar como canta o Eduardo de Crescenzo: ‘minha vida não pode ser só isso’.
Existem um monte de ‘Olaffs’ que vem de longe para construir o que ensina que todo mundo é diferente, e também é igual. Que cada um tem uma história que vez ou outra fazem pessoas pararem, escutarem, lerem e façam elas tentarem assumir o ‘título’ de uma profissão que ‘assumiram pouco’ e em raras ocasiões.
Um outro amigo de ‘outras terras’ me disse da última vez que me
viu comentar que eu acordei para escrever para a ‘história boa não fugir’: ‘pois escreva logo! Se tu não escrever agora, foge! Acho que essa é a primeira vez em três anos que não deixei fugir rápido. Boa? Coerente? Não sei. O que sei até agora e será escrito em bom português brasileiro: quem quer, consegue! E eu espero muito que o provérbio do imã se realize, e que nosso vizinho que fala espanhol consiga o que é certo no tempo certo e que ele continue sendo muito bem-vindo numa casa que também já é a casa dele, faz tempo.